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Subjetividades contemporâneas

Subjetividades contemporâneas

“todo aquele que partilha um delírio jamais o reconhece como tal” (Freud, 1930)

Nunca tivemos tantos estímulos e opções quanto hoje: não obstante, somos constantemente envolvidos pela sensação de insuficiência, pela angústia de constatar a impossibilidade de dar conta de tudo, parece que sempre estamos perdendo algo, algo que acreditamos ser necessário, sem ao menos nos perguntar, será mesmo?

Em 1930 Freud publicou “O mal-estar na civilização”. Ensaio que nos convoca a pensar no mal-estar do sujeito na modernidade no sentido histórico, não oponente a sua natureza pulsional de base, mas sim nós destinos psíquicos das pulsões apresentados na relação dessas com os outros e com os dispositivos sociais, que formariam tanto o sujeito quanto o mal-estar correspondente.

Na contemporaneidade, dita sociedade de indivíduos, cada um deve ser um indivíduo. A esse respeito, pelo menos, os membros desta sociedade são tudo, menos indivíduos diferentes ou únicos. Muito pelo contrário, são estritamente semelhantes a todos os outros pelo imperativo de terem de adotar a mesma estratégia de vida e usar símbolos comuns – comumente reconhecíveis e legíveis– a fim de persuadir uns aos outros de que assim estão fazendo. Em se tratando da individualidade, na sociedade líquida – moderna, não há preferência individual nem dilema do tipo “ser ou não ser” (Bauman, 2009, pg. 26).

A busca por individualidade transforma-se numa espécie de desacoplamento do mundo.  Em uma sociedade marcada pela austeridade, com o assédio constante por adequação dos sujeitos, e estimulação em adquirir produtos e bens de consumo, na qual vale mais ter do que ser, os sujeitos adquirem status de coisas, e passam a serem tratados, e a si verem como produtos, que para serem escolhidos e merecedores de um lugar, precisam ser perfeitos, sendo assim, o eu se contraiu num núcleo defensivo, em guarda diante da grande exigência e da adversidade, o sujeito vive em profundo estado de insatisfação: consigo mesmo, com os outros e com o mundo.

Na tentativa de ser onipresente de dar conta de tudo o tempo todo, inevitavelmente, algo escapa, e com o escape vem a ansiedade, e com ela e ilusão de que estamos sempre perdendo alguma coisa, algo que não temos sequer a clareza do que possa ser. Esse “efeito especular” faz do sujeito um objeto, concomitantemente transforma o mundo dos objetos numa expansão do eu, projeção. (Lasch, 1986 pg.22)

Curiosamente na sociedade contemporânea, a ausência de sentido não vem do vazio, mas do excesso, é precisamente a abundância de excitação que deflagra o esvaziamento. O imperativo de fazer escolhas entre uma gama crescente de alternativas dá origem a “sentimentos persistentes de descontentamentos” Logo é preciso espaço psíquico, o apresamento e a inconsistência dos vínculos, não proporcionam o investimento de energia e tempo necessários para a reflexão e o autoconhecimento, ingredientes primordiais na composição de sentido, de sentir de dar sentido.    

De acordo com Bauman (2009) as realizações individuais não podem solidificar-se de forma permanente, segundo o autor, em um piscar de olhos, os ativos se convertem em passivos, e as capacidades, em inaptidões. As condições de ação e as estratégias de reação envelhecem velozmente tornando-se obsoletas, sem que seus atores tenham chance de aprendê-las efetivamente.

O mal-estar contemporâneo não atribui aos indivíduos uma identidade social pré–ordenado, os modernos arranjos sociais consentem livre para escolher um modo de vida que lhe agrade, e a escolha pode se tornar desconcertante e até mesmo dolorosa, pois roubam a escolha de seu significado para o indivíduo, “reduzem a escolha a uma questão de estilo e gosto, como denota a sua preocupação com os “estilos de vida”. (Lasch, 1986 pg.27)

As recreações voltadas com o intuito de ajudar as pessoas a entrar em contato com seu verdadeiro eu, supostamente motivadas por idéias emancipatórias, na maioria das vezes têm como decorrência, pressioná-las a pesar de modo a confirmar a ideologia dos criadores desse mesmo programa, conseqüentemente esses sujeitos acabem perdidos nestas estruturas de pensamentos, sentindo-se mais vazios com a sensação que não importa o que façam nunca serão bons o bastante.

Segundo Birman (2012) o ponto fundamental sobre o mal-estar na atualidade sintetizou em torno da experiência psíquica do desamparo, articulado à “nostalgia da figura do pai”, enquanto ausente nos registros simbólico e real, apresenta-se com rigidez inexorável do supereu.

Seguindo as recomendações do autor, o qual solicita um novo posicionamento, um novo pensar sobre as novas modalidades de sofrimento, que segundo ele se evidenciam como dor, nos registros do corpo, da ação e das intensidades, é sem dúvida o desafio notório da psicanálise na contemporaneidade. “o mal-estar se transformou numa indagação ética para a leitura das subjetividades contemporâneas” (Birman, 2012) Debruçarmos sobre as subjetividades na contemporaneidade, não se restringindo aos conflitos psíquicos pautados na clínica, mas sim, e a partir dela, explorar os operadores políticos, sociais e simbólicos que subverteram a arena dos saberes é dos valores. Ir de encontro com esses novos norteadores e a regra fundamental para cultivar a essência da psicanálise, a ciência do desejo de saber. 

Um trabalho de atribuição de sentidos é indispensável para estender a mão a um agonizante psíquico e ajudá-lo a recuperar um lugar no mundo dos humanos”.

(Cyrulnik, 2006)     

Lucimara Cadorini

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