Select Your Style

Choose your layout

Color scheme

Fatores favorecedores na Construção do Sujeito Resiliente

Fatores favorecedores na Construção do Sujeito Resiliente

Freud mencionou a possibilidade do que hoje chamamos de resiliência.

“Acho que, considerando a extraordinária atividade de síntese do EU, não se pode falar de trauma sem tratar ao mesmo tempo de cicatrização reativa…”.

(Freud, 1930)

Estudos pautados no conceito de resiliência mostram que seu bom emprego vem modificando o modo como se apreende o ser humano, passando por vias de uma abordagem de risco, com base nas carências e na doença, para uma proposta de prevenção e promoção de saúde, tendo como principal embasamento as potencialidades e os recursos subjetivos dos sujeitos, as disponibilidades do meio em volta de si.

As descrições dos fatores favorecedores da resiliência apontam e consolidam a ideia de que o ser humano é capaz de adquirir seus próprios recursos e utilizá-los para seu crescimento interior.

Para Cyrulnik (2006), os objetos adquirem sentido devido á nossa memória, que ligamos os fatos entre si e lhes damos vida e coerência. Num mundo sem sentido, só podíamos perceber pedaços da realidade. Mas por pertencemos a uma espécie capaz de sentir uma informação fora do contexto, passada ou por vir, ao qual reagimos mediante as emoções, comportamentos e discursos, estando livres da tirania das coisas para vivermos de acordo com as representações que inventamos.

Segundo Barlach (2005), os primeiros estudos sobre resiliência, tinham como proposta uma redução dos fatores de risco, ou seja, eliminavam as raízes de seu próprio objeto de estudo. No entanto o autor anuncia a ideia de que a ênfase das investigações científicas deve demonstrar o que é considerado adverso pelos indivíduos que enfrentam determinada situação, ponderando os recursos dos quais dispõem, ou podem desenvolver, de modo que possam superar ou exceder os fatores de risco presentes. Fatores de risco e resiliência informam entre si uma ligação de contrapostos dialéticos, de forma que ambos os conceitos devem ser distinguidos e analisados de acordo com a percepção singular do sujeito perante a adversidade vivenciada.

Sapienza e Pedromônico (2005) apontam que fatores de risco e eventos contrários não ocorrem de forma autônoma, ou seja, normalmente estes aspectos compõem parte de um ambiente complexo e, quando atrelados, compõem um arcabouço de influência sobre o sujeito.

É importante destacar que a resiliência não é o contrário de risco e não carece ser compreendida como um fator de proteção exclusivo, pois, visto por este prisma, este constructo se agruparia em um padrão médico de patologia (Slap, 2001). O próprio autor concebe a definição de resiliência com base na influência mútua de quatro fatores: aspecto individual, ambiental, experiências ao longo da vida e fatores de proteção; e o agrupamento destes que promove condições de resguardar o ser humano das adversidades e proporcionar-lhe o bem estar. Segundo Cyrulnik (2006).

 “…O caminho que cada indivíduo segue no seu desenvolvimento e seu grau de resiliência ante os acontecimentos estressantes da vida são fortemente determinados pelo esquema de apego que desenvolveu nos seus primeiros anos de vida”.

(Cyrulnik , 2006).

Dificuldades emocionais e de comportamento sucedidos durante a infância, são também fatores relacionados ao favorecimento da resiliência. Tais dificuldades surgem em razão do defrontamento com situações de estresse e de risco significativo no cotidiano, porém, algumas crianças ultrapassam as dificuldades impostas por um ambiente aversivo, evoluindo dentro dos padrões prognosticados para o seu desenvolvimento e, no futuro, revelam-se seres socialmente capazes, obtendo êxito para além das expectativas previsíveis, sendo que essa forma de enfrentamento das situações de risco explicaria a característica resiliente. (Noronha, 2009).

Uma teoria da resiliência deve consequentemente interessar-se pelas mudanças constatadas nas condições tanto afetivas como culturais que modificam a receptividade da estrutura psíquica. Ao criar novas ocasiões sensíveis, o sujeito recebe outras impressões que modificam seu estilo afetivo, permitindo assim novos aprendizados de habilidades relacionais, um modo diferente de experimentar o mundo.

   Silva (2005) nos apresenta as diferentes compreensões de resiliência, definindo o conceito em três fatores distintos: ambiental, genético e social. O primeiro fator marca a possibilidade de rompimento das trajetórias de risco, neste contexto, exemplifica aludindo casos de pessoas que crescem enfrentando conflitos e situações desafiadoras, e, no entanto, na idade adulta não apresentam prejuízos psicológicos associados a estas circunstâncias. O segundo fator antecipa a ideia de que, na resiliência o sujeito possui determinadas competências geneticamente herdadas, e não as perde ao longo de sua história de vida, mesmo sob a prova de situações adversas. O terceiro fator define a possibilidade de o sujeito restabelecer o exercício de suas funções, após vivenciar um episódio estressante ou ameaçador.

Do mesmo modo o fator sócio-histórico determina a relação com o termo resiliência, de acordo com Souza e Cerveny (2006). Apresentam que a resiliência é fixada de méritos e significados correspondentes à cultura em que o termo encontra-se instituído. Sendo assim, o sentido deste conceito pode ser diferente dependendo da cultura, da mesma forma que os levantamentos científicos sobre o conceito representam os problemas enfrentados de maneira específica de acordo com cada país, região, instituição e sujeito.

Ao debruçarmos sobre as teorias psicanalíticas a respeito das relações objetais, o que é analisado como traumático na história de vida do indivíduo, deixou de ser unicamente considerado como uma característica interna da pessoa,  no sentido de projeção de suas angústias, passando a ser estudado sob a perspectiva da intersubjetividade, com ênfase no relacionamento ambiental, demonstrando que,  a capacidade humana de suportar o trauma e, consequentemente elaborá-lo, consente com que ser humano identifique os aspectos destrutivos, e consiga simbolizá-lo de tal modo que estes possam transformar-se em algo criativo e psicologicamente benéfico (Leal, 2005).

Para tanto o remanejo afetivo do traumatizado depende de certa forma dos tutores da resiliência que a cultura dispõe para seus feridos, a possibilidade do discurso ou o constrangimento que se refugia no silêncio, o suporte afetivo ou o isolamento, o auxílio social ou o abandono, que trazem em si a mesma ferida, mas com sentido e significado diferente segundo a cultura que a acolheu. (Cyrulnik, 2009)

 

       Sem memória, sem história e sem esperança habitaríamos um mundo sem razão. Não existe atividade mais íntima e mais resiliente que a de atribuir sentido ao que se viveu e ao que se vive.

 

Lucimara Cadorini

ABOUT AUTHOR